ADOLESCENTES, COWBOYS E UMA MULA SEM CABEÇA

Na década de setenta eu era um adolescente de dez para doze anos, e como todos dessa época que crescemos em pequenas cidades tínhamos que nos virarmos para arranjar alguma diversão. Não fosse as matinês de domingo no unico cinema da cidade de propriedade de Wagner Martins estávamos perdidos.



Filmes estrelados por John Wayne, Audy Murphy, Clint Eastwood e outros tantos fizeram as cabeças dos jovens dessa época. Aos domingos vestíamos nossos melhores ternos e descíamos para a Praça Cel Torres, ali era o local onde todos se reuniam nos finais de semana. Ansiosos pela sessão, chegávamos bem cedo para pegar um bom Lugar pois o estabelecimento ficava pequeno para tantos expectadores. Eu adorava aquele apagar de luzes, enfim o filme começaria. Depois dessas sessões, subíamos a Rua do Comércio comentando as melhores cenas.

Era uma alegria só, as imagens ficavam povoando nossas mentes por vários dias e nas brincadeiras todos queriam ser o personagem principal. No par ou ímpar decidia-se qual turma seria os mocinhos, e a turma que perdesse faria o papel dos vilões. E essas brincadeiras iam até tarde da noite, Nossos pais já nem se preocupavam mais pois sabiam que estávamos pelos arredores. Não se fabricavam naquela época os brinquedos tão realistas de hoje, em nosso bang bang os revólveres eram de madeira e muitas vezes nem isso, fazia-se um gesto com a mão e pronto, alguem tinha que ser mais rápido para sacar e eliminar o adversario . Era assim, simples assim, tudo diversão pura. Alguns, com tempo de sobra, confeccionavam cinturões com coldres na tentativa de dar mais realismo ás brincadeiras.
Eu assisti varias vezes o filme "Balas para um bandido" estrelado por Audy Murphy, em todas as brincadeiras eu me imaginava fazendo o papel dele.




John Wayne eu não imitava não, eu o achava corpulento demais, mas Clint Eastwood era demais. O célebre personagem de Edgar Rice Burroughs tambem me fez sonhar na pele do homem macaco. Ah! o grito de Tarzan não podia faltar, e muitas vezes pendurado num frágil cipó que encontrávamos nas matas. Como era bom, as crianças e adolescentes de hoje nunca saberão o que é isso. Tambem nao se pode cobrar deles, pois os brinquedos já chegam em suas mãos inventados, e isso lhes ceifa em parte o poder da imaginação.


Era tanta imaginação que numa noite bem escura, quando eu e o meu amigo Pedrinho atravessávamos um denso matagal com o intuito de prender a turma rival, fomos surpreendidos pelo bufado da mula do Oto que pastava tranquilamente no local. Assustados lembramos da lenda da mula sem cabeça e concluimos ser a danada que estava ali, e sem contar que naquela semana tínhamos assistido ao Filme "O Exorcista" e ainda impressionados com as terríveis cenas saímos em desabalada carreira.  Na fuga nos separamos, e de repente me vi sozinho naquele matagal escuro, e continuando a correr me esqueci da cerca de arame farpado á minha frente, ainda bem que estavam enferrujados, passei direto. Mas antes tivessem me segurado, pois em seguida me vi caindo de uma altura de quatro metros, e onde me estatelei estava repleto de tocos de assa-peixe roçados recentemente. Advinhem !?


Tive o lado esquerdo do meu tronco perfurado pelos pontiagudos tocos. Prostado ao chão fiquei por alguns segundos meio tonto, quando dei por mim saí caminhando trôpegamente para o local de encontro da turma, ainda não tinha chegado ninguém. Sentei-me ali disposto a aguardar, mas eu ainda não me sentia recuperado do tombo, e súbitamente senti algo úmido a escorrer pela minha barriga, assustado passei a mão e conclui que estava bastante encrencado. Minhas tripas ou algo parecido saia a cada movimento que eu fazia. Apavorado me levantei segurando aquilo na tentativa de impedir que vazasse mais e fui para casa caminhando bem devagar. Me preocupei com a reação de meu pai, certamente me daria uma surra. Quando atravessei a pracinha, minha casa ficava perto dali ainda olhei para traz e pude ver o Pedrinho chegando, certamente ele não entendera porque eu estava indo embora, pois a brincadeira ainda não tinha acabado. Em casa sussurrei na janela chamando minha mãe que já estava dormindo, Ela tinha o sono leve e logo veio abrir abrir a porta. Mostrei a ela dizendo que tinha machucado demais. Ao ver aquele ferimento enorme minha mãe gritou por meu pai que já se levantou e saiu em desabalada carreira pela rua abaixo para buscar o Zeca da rural, um carro que Fazia corridas de táxi na Época. Poucos minutos depois eu ja estava na sala de cirurgia sendo atendido pelo doutor Jandir, o médico de plantão naquela noite. Eu nao estava entendendo tanto alvoroço de meus pais pois mesmo com a buchada pra fora eu não estava me sentindo tão mal, pensei, vai entender os adultos. Depois dos procedimentos escutei alguem da equipe que me atendia dizer que eu tivera muita sorte por não ter dilacerado nenhuma parte do meu intestino, pois se assim fosse eu não escaparia com vida. Na sala ao lado , através dos vidros vi meus pais juntamente com minha avó, pareciam tensos, Minha Mãe rezava com ar Carregado, soube dias depois que minha avó fizera uma promessa aos Três Reis Santos, caso eu me salvasse andaríamos durante Vinte dias recolhendo donativos para a festa de folia que se realizaria no mês de janeiro. Estive em observado durante vinte e quatro horas, témia-se uma infecção generalizada, mas graças á Deus resisti bravamente. E certamente a promessa de minha querida avó fora atendida.

OS TRÊS REIS SANTOS OFERECEM  PRESENTES AO MENINO JESÚS.

Tive alta no oitavo dia de internação, e um mês depois já em novembro me dispus a cumprir a promessa. Andei com minha avó carregando a bandeira dos Três Reis Santos pedindo donativos, e a arrecadação doamos para a festa. Sei Que passei um susto danado em meus entes queridos, mas nem assim deixei daquela brincadeira, e logo lá estávamos novamente fazendo a mesma coisa.

Mas eu seria agora mais cauteloso, ja sabia que naquele quintal velho e escuro somente pastava uma pobre mula de carroça, e ela coitada, não era a mula sem cabeça, a lenda que apavorava os moleques naqueles tempos. Não me arrependo de nada que fiz, se tivesse oportunidade faria tudo novamente, e sei que todos os meus amigos faríam tambem. Poderão achar que é saudosismo demasiado de minha parte, mas quer saber, é mesmo, quem dos leitores não tem histórias engraçadas, felizes ou mesmo tristes em suas vidas de infancia?


Vivemos e brincamos numa época de ouro, sem vícios e sem drogas, e vivemos como se deve viver cada fase da vida. Nos anos seguintes essa molecada cresceu, veio a juventude no tempo de ascensão do rei Roberto Carlos, dos Beatles, e junto o movimento hippie, mas essa...essa é uma outra história!

OBS: Adolescentes e cowboys e uma mula sem cabeça é um relato verídico, e se passou em Bambuí, no estado de Minas Gerais. Escrito e ilustrado por Joel Di Oliveira. É proibido copias e / ou reproduções sem autorização de Enigmacom (Histórias que o povo conta). Qualquer semelhança com outros fatos ou nomes citados nesse texto poderá ser mera coincidência. Todos os direitos reservados.


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