ECOS DO SILENCIO / Série: CONTOS VERÍDICOS
Em 1957 meu pai à duras penas amealhou a
exata quantia para adquirir um comercio fincado numa beira de estrada lá
naquele sertão de Minas Gerais. Era seu plano de vida desde que se casou com
minha mãe.
Cafezais da Gurita, município de Bambuí- M.G na década de 50. |
Depois de enfrentar intermináveis empreitadas na fazenda do Sr Valdemar (MURILO), ou
mesmo passar temporadas nos cafezais da Gurita sempre arrastando minha pobre
mãe comigo enganchado nos quadris, ele conseguiu angariar uma certa quantia em
dinheiro, e isso o deixou mais próximo de realizar seus intentos. Terminando a
safra e de volta à nossa, ele soube por intermédio de
cunhado João Messias que um tal de "Tino" queria vender um ponto no
Brejinho, uma pequena comunidade situada á quinze quilômetros de Bambuí. Sem
titubear procurou o homem e fechou negocio de porteira fechada. Eu, nessa
época, era apenas um garotinho de dois para três anos, e como não tinha
irmãos, costumava prestar muita atenção ás conversas dos adultos. Assim fiquei
sabendo de todos os planos de meu pai, e sem poder fazer nada, passei a sofrer
por ter que abandonar a cabana onde nasci e aprendi a dar meus primeiros passos.
Mas por outro lado, estava curioso em
conhecer a tal venda que meu pai tinha
comprado.
O PRIMEIRO MUNDO
A casa dos meus avós. Foto de 1964. |
...bananas defumadas que ficavam penduradas acima do fogão de lenha. |
Mas tudo que é bom dura pouco,
logo eu escutava minha mãe gritar lá na trilha, ela sabia que eu estava com os
avós. Era hora de ir, e em casa já topei os poucos móveis que tínhamos já
embalados para a viagem. O tio Toinzinho viria na manhã seguinte com o carro de
bois do meu avô para nos levar até a nova casa. Naquela noite eu dormi com o
coração apertado em saber que deixaria para traz o adorável lar onde nasci. O
que seria feito de nossa casinha?! Ah!! Já tinha a solução, recomendaria ao meu
avô que cuidasse bem dela, e frequentemente eu viria visitá-la! Com esses
pensamentos tiritando na minha cabeça eu peguei no sono.
__Chegara o terrível momento da
partida, gritando com os bois o carro arrancou choroso em direção á estrada do
atalho, e de lá arrisquei uma última vista à minha pobre cabana, pareceu-me que
ela acenou um comovente adeus.
Pareceu-me que ela acenava-me um comovente adeus. |
A VENDA DO BREJINHO
__A nova casa era maior, mas construída nos mesmos moldes que minha casinha lá das Vargens, porém era coberta com telhas vindas de longe. Cercada por um denso cerrado e á beira de uma estrada bastante cortada significava que ali passava muitas pessoas diariamente. Não esperei meu tio parar o carro, pulei logo no chão e tratei de conhecer os arredores. Era tudo muito estranho para mim, a densa mata que cercava o local metia medo. Ali, certamente habitavam os personagens das histórias que meu avô me contava.
Venda do Brejinho - município de Bambuí-Mg /1958. |
UMA ASSUSTADORA MANIFESTAÇÃO
__Mas não vivemos ali somente
tempos bons, tivemos maus momentos também, e um deles foi que certa noite lá
pelas tantas, os meus pais e os clientes que ainda bebiam e jogavam truque
presenciaram um estranho fenômeno. Eu e minha mãe já tínhamos nos recolhido
para dormir, mesmo com o estardalhaço que os jogadores faziam, mas dormir como?!
Entre um soco e outro na pobre
mesinha já de pernas bambas ouviu-se ao longe gritos de peões boiadeiros. Afinando
os ouvidos já escutaram um barulho ensurdecedor cada vez mais próximo,
estranharam tal evento aquela hora, e entreolhando-se prenderam a respiração
para escutar melhor o que estava acontecendo.
...e entreolhando-se prenderam a respiração para escutar melhor o que estava acontecendo. |
Era o estouro de uma boiada
arriscou alguém, e em poucos segundos, os animais se
aproximaram rapidamente passando sobre a casa como uma locomotiva desenfreada fazendo vibrar móveis e garrafas
na prateleira. Os sibilantes gritos dos peões agora tinham um timbre
sobrenatural e eram com se estivessem dentro da casa, atravessando como facas a
alma daqueles pobres homens, mas ninguém via nada. Os mugidos daquela
boiada enfurecida misturavam-se ao som de coisas quebrando lá fora. No quarto,
minha mãe segurando um rosário tremia dos pés a cabeça tentando acender uma
vela. E eu que ainda não conseguira pegar no sono, não entendia porque todos se
calaram de repente. Após aqueles minutos que pareceram mais uma eternidade, conforme contou meu pai, o
infernal barulho foi se distanciando para as bandas de Bambuí ficando apenas o
som do vento soprando no telhado. Empalidecidos e sem coragem de sair
ao terreiro, um deles com voz rouca arriscou um comentário, que ao meu pai pareceu mais uma súplica. Sentindo também o pavor que eles passaram, meu pai estendeu-lhes colchões no chão da venda para
que esperassem o amanhecer.
__Aquele fenômeno foi presenciado por
todos, menos por mim, a única criança na casa. No dia seguinte pensava-se estar
o terreiro um verdadeiro pizeiro de cascos e destruição, mas não tinha sequer
uma marca e tudo estava em seu devido lugar. Disse o senhor Antônio Tomé, um dos moradores mais velhos da comunidade, que aquele
fenômeno se dava de sete em sete anos e eram espíritos atormentados de antigos peões que
tocavam boiadas naqueles sertões. E ali, no lugar onde fora construída a
venda era o ponto de parada para descanso das boiadas que vinham de muito
longe. Certamente, finalizou o senhor Antônio Tomé, morreram pecadores inconfessos, e sem ganhar a luz ainda
vagavam nas antigas trilhas á procura de um portal para a salvação.
Naquela semana mesmo minha mãe
pegou a jardineira e foi á Paróquia de Bambuí solicitar a realização de uma
missa no local. Aproveitou e trocou uma imagem de N.S. Aparecida colocando-a
num oratório de madeira no alto das prateleiras. Depois dessa missa nunca mais
ouviu-se o estouro da boiada, acredita-se que aquelas almas perdidas receberam o perdão por seus pecados. Hoje, meu pai relembra esse fato como se tivesse acontecido
ontem, tanto que foi marcante para ele. E eu sinto um arrepio só de pensar que eu estava lá e por algum motivo
fui poupado de presenciar o fenômeno. Mas para os que o vivenciaram, aqueles
minutos que antecederam o acontecido, foram os inquietantes sons do silencio.
Mas para mim, inquietante, foi jamais ter retornado á minha humilde cabana lá das Vargens de Bambuí.
Quanta saudade sinto daqueles dias! Em seus cômodos vazios de minha presença, certamente
ecoarão para sempre as vozes e os risos alegres dos bons momentos que vivi ali.
No local não tem mais nada,
nem mesmo sobraram escombros. Aquela
existência ficou apenas na lembrança de um garotinho. Mas hoje, quando cai a chuva, em pensamentos eu vejo gotejar do capim que cobria aquela humilde cabana, os pingos transparentes das chuvas de novembro. E penso que quando estiar, poderei visitar novamente a casa das deliciosas bananas defumadas. Esse desejo foi, e sempre
será para mim, o inquietante eco do silencio, um chamado que nunca se calou.
A Cabana coberta com capim, ao fundo a casa de meus avós. |
OBS: As imagens e texto são de
autoria de Joel Donisete de Oliveira, e todos os fatos narrados são verídicos. Proibido cópias e ou veículação sem o prévio consentimento do site. Todos os direitos
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