ALMA GÊMEA
Posso até não me expressar como deveria, mas serei
eternamente um contador de histórias. Adoro conversar com pessoas mais velhas,
pois essas já viveram muito e têm interessantes causos para nos relatar, lindos
romances que já viveram ou mesmo estranhos desfechos que os levaram a escuridão
de um poço sem fundo. Essa é a história de Sinfrônio, um abastado fazendeiro do
município de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais. Casara-se
Sinfrônio com uma linda cabrocha que o amava desesperadamente, tudo fazia a
menina para agradá-lo e servi-lo da melhor maneira possível. Dera-lhe lindos
filhos e filhas e estes agora entre oito e doze anos de idade. Mas Sinfrônio
era impetuoso, aos finais de semana arreava o cavalo e marchava à cidade, onde freqüentava
bares para beber com amigos e ficar com
mulheres de vida fácil. Sua esposa ficava em casa cuidando dos filhos e da
casa, além do serviço da fazenda tinha muitos animais , porcos, vacas e
galinhas. Mas ela era feliz, amava demais seu marido e considerava que ele
merecia sair para se divertir e prosear com os amigos. Mas as armadilhas da vida armou-lhe uma triste
decepção, Sinfrônio, numa dessas saídas enrabichou-se por outra mulher, e talvez
cegado pelos carinhos da amante acabou por abandonar sua legítima esposa. Abandonou também os serviços da fazenda, e
quando aparecia era para mostrar um pedaço de terra que vendia para apurar
dinheiro para bancar os caprichos da amante. Assim de gleba em gleba ele
práticamente vendera toda a fazenda, sobrando apenas alguns poucos alqueires
que sediavam a casa principal. A amante tomava-lhe todo o dinheiro, e para seu
nome comprava na cidade várias casas e bens. Andava bem vestida, coberta de
jóias e tinha tudo do melhor. O assunto correu a pequena cidade, e acabou por
chegar aos ouvidos de sua fiel esposa, que se mantinha firme em casa cuidando
do que lhe restara. Esta, ao saber chorou muito, era o que considerava ser
feito, pois talvez na época, não tinham as mulheres, tanta voga na lei dos
homens. Restava-lhe apenas aceitar seu triste destino. Mas o tempo passou, e
sem mais o que vender para arranjar dinheiro para manter os caprichos da amante,
Sinfrônio se viu mal. Esta passou a lhe tratar mal, não lhe fazendo as refeições,
e nas brigas, pela falta do dinheiro que ele não lhe arranjava expulsou-o de
casa. Sinfrônio se viu na rua, somente com a roupa do corpo, não tinha mais nem
os amigos com quem bebia, e então, sujo, maltrapilho e desmoralizado vagou
durante anos pelas estradas. Pensou várias vezes em retornar á casa da
verdadeira esposa, mas, sentiu vergonha, pelo menos esse sentimento lhe
restara. Um certo dia, sua esposa viera à cidade fazer compras, e na calçada
diante do bar, o viu caído. Reconhecendo seu marido o levantou e o levou para casa,
onde todos os filhos se alegraram com seu retorno. Ele tinha várias feridas
pelo corpo e estava adoentado. Feliz e pacientemente sua esposa lavou-lhe os
pés e o acomodou em sua cama, a cama que ele abandonara há anos atráz. Em seu
retorno não houve briga ou mesmo pedido de satisfações por parte da esposa,
tratou-lhe, sua verdadeira mulher, como se nada tivesse acontecido ou mesmo o
tempo não tivesse passado. Algum tempo depois, já melhor de saúde, Sinfrônio ainda
tentava adaptar-se a sua família, pois os filhos agora moços lhes parecia
estranhos, mesmo que o tratassem com tanto carinho. Sua esposa se desdobrava no
trabalho, mas agora já tinha a ajuda dos filhos. Esperava pacientemente a
recuperação do marido, mas mal sabia ela que o remorso impiedosamente o corroia
por dentro. Sinfrônio não conseguia entender que depois de tudo que ele tinha
feito, sua esposa ainda o amasse tanto. Então era mês de outubro, o canto das cigarras
no matagal não foi capaz de cobrir o som
do estampido de um tiro. Correram esposa e filhos ao quarto e se depararam com
a terrível cena. Sinfrônio estava caído ao chão, e apontado para sua cabeça
tinha um revolver ainda fumegante. O remorso que sentiu ao retornar ao lar, o fez
ver quem eram seus verdadeiros amores. Ele compreendeu que não merecia sua esposa,
sua verdadeira alma gêmea. O que fizera não tinha conserto nessa vida; talvez pudesse
reparar tudo em outra dimensão.
Esse conto é verdadeiro, os nomes dos envolvidos, época e mesmo o local em que se passou o fato não puderam serem revelados por respeito aos mesmos. Qualquer caso semelhante a esse é mera coincidencia.
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