UMA SERPENTE NO PARAÍSO!



Nasceu o personagem principal dessa história nos arredores de Luz, uma pequena cidade do interior de Minas Gerais. Tivera, pode se dizer, uma infância feliz junto com os pais durante o tempo em que os teve juntos, ou seja com idade de seis anos.
Nessa tenra idade passaria por sofrimentos que jamais imaginara em seu mundinho de criança. Hoje, ele relembra o passado, e eu, seu humilde editor, atenciosamente o ouço narrar os infortúnios de sua pregressa vida. 



A HISTÓRIA DE VALDIR, EGÍDIO E VENINA

Conta que vivia feliz em sua casa na compania dos pais e mais dois irmãos, sendo uma menininha de dois anos e um irmãozinho de quatro. Nesse tempo nascera também um bebezinho, que recebeu o nome de Paulo, Paulinho para os de casa. Seu pai era e sempre fora lavrador, homem simples que plantava roças como meeiro de um fazendeiro rico da região. Além desse trabalho criava porcos e galinhas o que lhe dava uma boa ajuda na despesa da casa. Apesar da rotina de trabalho duro, o fazia sem reclamar, e sempre tinha um sorriso no rosto para mostrar, seja para quem fosse. Egídio era seu nome, ainda rapagão forte casara-se com Venina Garcia, cabrocha morena de cabelos bem negros e lisos que lhe escorriam  pelos ombros. Egídio a amava demais e por isso era feliz, imaginara, na sua ignorância de sertanejo que vivia no paraíso e era correspondido por sua companheira. Foi um amor que poderia ter durado a vida toda, não fosse a intromissão de uma irmã de Venina vinda da cidade grande para visitá-los na simplicidade de sua casinha de roça.

_Nossa Venina, que vida difícil levas aqui?!
_Você pode ter coisa melhor, venha comigo!...morar num cafundó desses!...
_Lá você pode arrumar alguém que te dá o que merece, você é nova, bonita!...


Assim, enquanto o pobre Egídio trabalhava na roça, mal sabia ele que sua cunhada tentava a todo custo desencaminhar sua esposa em casa. Contra a resistência de Venina, sua irmã sempre tinha fortes argumentos que certamente a fizeram sonhar com uma vida melhor.  E assim foram todos os dias da semana, até que Venina, convencida de que estava fazendo o certo, deixou-se levar pela irmã. E com essa decisão, ela deixou para traz seus três filhos: Valdir, Valmir e Helena. Levaria consigo somente Paulinho, que estava com poucos meses e ainda mamava.
Eram três horas da tarde, quando Venina e as duas companheiras subiram a trilha em direção a cidade de Luz. Dali tomariam o ônibus que as levariam para longe daquele lugar. Para as três crianças que ficavam Venina disse que estava indo a cidade fazer compras e que na volta traria balinhas e doces para eles.



Com lágrimas nos olhos, Valdir conta que a última imagem que tem da mãe é aquela de quando dobrava o alto sumindo para sempre na trilha batida de barro vermelho. Em sua simplicidade e inocência mal sabiam aquelas crianças que estavam sendo abandonadas para sempre. Das balinhas e doces prometidos, eles jamais sentiram o sabor.
Naquela tarde quando Egídio retornou dos campos de trabalho, encontrou os meninos sozinhos em casa, perguntou por Venina ao que responderam terem ido a cidade fazer compras e que trariam balinhas para eles. Egídio estranhou pois Venina não era de ir ao povoado sem consultá-lo. Esperou até quando anoiteceu e vendo que Venina não retornava, montou um cavalo e foi a cidade onde ficou sabendo que sua esposa e irmã, juntamente com outra mulher tomaram um ônibus para Uberlândia. Naquele momento, Egídio concluiu que sua amada o deixara; não foi atraz e nem tomou providencia alguma, apenas tratou de aquietar o coração acelerado, o seu e o de suas crianças pequenas. A noite caiu, e com ela, um manto sombrio revelou o triste desfecho daquele dia, nunca mais veriam Venina.

Um ano se passou, Egídio se virou como pode para contornar o trabalho e a criação dos filhos pequenos. Teve, durante algum tempo o auxílio de Maria, filha de Venina com outro homem, pois Venina quando se casara com Egídio era mãe solteira. Maria, na época já era mocinha de dez ou doze anos e trabalhava no povoado como doméstica. A moça, vendo a dificuldade de seu padrasto ajudou-o por algum tempo na coordenação da casa. Mas logo ela também ganharia o mundo e a casa de Egídio ficaria sob a responsabilidade do filho mais velho, no caso, nosso personagem Valdir, ainda com apenas sete anos de idade.
Mais um ano se passou, Egídio então arrumou uma nova companheira com a qual teve mais quatro filhos, dois homens e duas mulheres. Mudara-se para o povoado, onde Valdir e seus dois irmãos legítimos freqüentaram a escola, e depois das aulas, voltavam pra casa onde ajudavam a tomar conta de seus novos irmãos, filhos da segunda mulher de seu pai. O fazia com boa vontade, pois era um menino de bom coração e sempre prestativo, achava que aquilo que acontecera era o natural da vida. Ajudou na criação dos irmãos até quando completou dezoito anos quando passou a trabalhar nas fazendas da região, mas mesmo assim não se descuidava da família. Talvez, por ter passado o grande dissabor de ser abandonado pela mãe, dava valor imenso a união familiar. Mas agora ele daria início a uma nova caminhada, não que fosse sua obrigação somente, mas sentindo que seu pai estava mais velho e ficando doente, tomava quase todo o seu salário e trazia para casa, onde ajudava constantemente nas despesas. Não lhe sobrava quase nada para cuidar de sua própria vida. Assim, o tempo passou e ele já com trinta e poucos anos namorou algumas meninas, mas não se casou. Com o agravamento da saúde de Egídio, tomou para si, a responsabilidade da casa. Essa atitude o condenaria a ser um beato, mas o seria em nome de seu bom coração, sua constante adoração por seu pai o fazia esquecer-se de sua própria vida.
Alguns anos depois, todos os seus irmãos casaram-se e foram morar em outras localidades  ou mesmo na pequena Luz, deixando para traz tudo nas mãos do pobre Valdir. Sua madrasta falecera, então nosso personagem se viu sozinho para cuidar do pai. Mas mesmo assim de nada reclamava, para ele sempre fora um prazer essa incumbência, amava demais o velho. Nunca mais tivera notícias de sua mãe e nem de Paulinho, o bebezinho que Venina trouxera consigo quando abandonou a casa. Veio encontrá-los em Uberlândia muitos anos depois. Venina já se encontrava velha, andava em uma cadeira de rodas e sofria de um mal que lhe paralisava as pernas. Paulinho já estava homem feito, casado e tocava sua própria vida. Nos últimos anos, Venina morou com um companheiro que falecera recentemente, mas com esse não tivera filhos, a despeito de Egídio. Em encontro recente com sua mãe, depois de tantos anos, Valdir a cumprimentou alegremente, mas nada sentiu em seu coração pela velha senhora que lhe sorria com certo jeito de culpa. A doença de seu pai se agravou e Valdir teve de trazê-lo a Uberlândia para tratamento, pois aqui morava Helena, aquela menininha que ficou com ele lá na casa por ocasião do abandono. Aqui o tratamento do velho podia contar com mais recursos, ao contrario de Luz, onde somente existia um postinho de saúde. O velho durou pouco tempo, pois a idade já não permitia mais. Apesar de estarem na mesma cidade agora, os dois, Egídio e Venina, não se encontraram, também Egídio já não precisava mais de explicações, uma vida inteira vivera sem elas. Pouco tempo depois Venina também morreu, misturava os antibióticos que tomava com bebidas alcoólicas, fazia–o escondido de Helena, certamente a bebida a fizesse esquecer do enorme erro que cometera em sua juventude, quando deixou para traz seu marido e os três filhos pequenos. 

Hoje Valdir se encontra com sessenta e dois anos de idade, e relembra desse tempo com amargura de certos fatos. É, por força do destino, uma árvore que não deu frutos, não que não quisesse, a vida não lhe permitira. Não se revolta pelas peças que o destino lhe pregou, apenas pensa que a história poderia ter sido diferente.
Eu, que o escutava atentamente não contive um fio de lágrima, disfarcei enxugando-a, e vi que ele também chorou. Por um longo minuto nos fitamos, palavras já não eram mais necessárias. 
Essa é a triste historia de Valdir, Egídio e Venina, vítimas de pessoas más como a irmã que veio da cidade grande. Esta agira como a serpente que envenenou a maçã que Eva comeu no paraíso. É a responsável por traçar o destino de Valdir, culpada por não permitir que ele crescesse e formasse naturalmente a sua própria familia. Deus disse quando da criação do mundo: Crescei e multiplicai-vos! 
Mas do menino Valdir, foi tirado esse direito. Mas isso não o tornou uma pessoa má, hoje, quando tem oportunidade de se encontrar com crianças, ele compra, em enormes quantidades, doces e balas para elas. Na verdade, isso o apráz, pois certamente  busca descobrir nas guloseimas, o sabor daquelas balinhas que sua mãe lhe prometera lá na casinha dos cafundó!

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